2 de junho de 2008

UM POBRE DIABO - Parte Final - Conto de Dimitri Kozma

(continuação da história postada em 29/05)

A noite chega e a hora se aproxima, Zé não pode se conter de ansiedade. Chega a porta da igreja e espera o culto se iniciar. Uma animada música começa a tocar, com a vista turva, observa uma velha gorda, com seu marido, um esquálido, com as mãos levantadas ao ar, balançando freneticamente, ele começa a imitar os gestos, quase que mecanicamente, sem entender ao certo o objetivo daquilo.

No altar, dois pastores dividem as atenções, um era aquele que havia falado com Zé, um sujeito forte, viril, cabelos muito bem penteados, um aspecto de banho tomado, o outro, igualmente elegante, mas um pouco mais velho, os cabelos lhe faltavam, penteava os pouco de maneira que escondessem as falhas, usava um estranho óculos que cobriam apenas metade dos olhos, tinha uma verruga na lado esquerdo da bochecha. Ao fundo do altar, uma banda tocava guitarras, baterias e contrabaixos, tudo embalado com um ritmo jovem e animoso.

Zé não podia observar direito, seus olhos ficaram turvos, e quando tentava olhar mais longe, uma tontura invadia sua cabeça e ele tinha que fechar os olhos para não cair. Depois de encerrada a música, o pastor mais velho começa a falar, bradando:
- Irmãos! Boa noite! Digam todos: “Boa noite Jesus!”
As ovelhas cegas repetem:
- Boa noite Jesus!
Com uma cara de empáfia, ele começa a proclamar:
- Hoje vocês sabem que é um dia muito especial, hoje você, que está aqui vai aceitar Jesus, vai fazer o sacrifício de fé, hoje estamos felizes porque finalmente Jesus vai provar sua força!
Todos observam, em pé, sem se moverem, e o pastor continua: - “Vocês sabem que, quanto mais for dado no sacrifício de fé, mais recompensas os céus irão te oferecer. Hoje será o dia do tudo ou nada! É hoje! O dia do tudo ou nada! O dia em que cada um de vocês provará a fé no nosso Deus vivo!

A medida em que falava, seu tom de voz ficava cada vez mais veemente, mais inquisidor, Zé não conseguia entender direito as palavras, elas estavam meio embaralhadas em sua cabeça. Percebeu que precisava de mais um gole de pinga, a dor voltava mais forte do que nunca, precisava de mais um trago no líquido que o anestesia de tudo. Discretamente abriu a garrafa que carregava dentro de um saco plástico de lixo, que pegara na rua, e dá um enorme gole, sua garganta queima e a dor se ameniza, continua a prestar atenção em tudo o que o pastor estava dizendo no altar:
- Hoje vocês vão ver o poder de Deus se manifestando aqui, hoje vocês verão algo que não vão acreditar, mas será o poder de Deus se manifestando em pessoa aqui! Vocês sabem que o demônio tem muitas caras, né? Vocês sabem que o cão se esconde dentro da mais frágil pessoa. Pois bem, hoje vocês verão esses demônios se manifestarem, e o poder de Jesus Cristo acabando com ele para sempre.

Com a vista cada vez mais embaçada, Zé viu uma mulher subindo ao palco, não estava com uma noção de tempo muito definida, mas viu a mulher rolar no chão, ouvia bramidos ininteligíveis, pode ver os comentários que surgiam por toda parte da igreja, mas não conseguia ver, não conseguia prestar atenção no que se seguia naquele altar. Pontinhos parecendo estrelas começaram a ulular em seus olhos, a visão escurecia e clareava intermitentemente.

Todos estavam em pé, mas Zé senta-se um pouco, caso contrário desmoronaria no chão. Depois de alguns infindáveis minutos ouvindo aqueles barulhos demoníacos, finalmente param, parece que o exorcismo teve sucesso. Zé permanece sentado enquanto o pastor diz:
- Antes da nossa próxima cura espiritual, vamos passar os envelopes de contribuição e vocês coloquem suas doações para Deus ali, lembrem-se, quanto maior a oferta, maior a graça atendida!

Uma contagiante canção começa a tocar e Zé apenas ouve, sentado e aguardando sua vez, na verdade já nem se lembrava direito do que teria que fazer, apenas sabia que teria que subir no altar, depois de recolhido os envelopes do dízimo, finalmente o pastor mais jovem tem a palavra, igualmente bradando como um louco, começa:
- Muito bem, Deus agradece de coração todas as contribuições. Com certeza ele os pagará dez vezes mais. Agora vamos ajudar mais uma alma angustiada... Vejamos...
Enquanto diz, começa a procurar Zé no fundo da igreja, força um pouco a vista, finalmente o encontra, sentado, com a cabeça baixa, os olhos fechados e tremendo um pouco. O pastor diz: “Ali! Aquele homem, tragam ele até aqui! Ele está com o demônio!”
Neste instante, dois homens seguram o pequeno Zé pelos braços e o arrastam até o altar, a garrafa de pinga cai do saco e se quebra no chão, Zé, ao ver seu único acalento se partindo, dá um grito, imediatamente o jovem pastor coloca a mão sobre a testa do indigente embriagado e grita palavras de ordem aos demônios que habitam seu corpo: - “Espíritos do mal! Saiam já desse corpo! Em o nome do senhor Jesus! Saia!”.

A visão de Zé escurece, estrelas brancas fervilham em suas vistas doentes. A dor começa a aumentar enquanto o pastor vocifera freneticamente: - “Eu já te ordenei, demônios! Saiam já desse corpo! Em o nome do senhor Jesus!”, agora apertava com as duas mãos a fronte de Zé, que estava ajoelhado no chão se esboçar nenhuma reação. O Pastor, parecendo não perceber o estado do homem, depois de mais uns gritos em vão, sussurra no ouvido de Zé:
- Como é que é, rapaz? Vai se debater ou não vai?
Não obteve resposta e começa a perder a paciência, apertando com mais força a têmpora do infeliz, que permanecia imóvel, com os olhos fechados, nesse momento, o pastor chacoalha sua cabeça com vigor. Zé começa a vomitar, não tem nada no estômago, portanto vomita apenas a bile do estômago, que neste momento dói como brasa ardendo no fogo do inferno. O pastor grita, quase num tom alegre:
- Estão vendo, aqui está, o demônio está se manifestando! Olhem! – dizia enquanto apontava para o vomito.

Todos observavam aquele espetáculo sem esboçar um movimento sequer, enquanto o pobre mendicante se contorcia em dores naquele altar. Seu estômago nunca doera tanto assim, achava que podia agüentar, mas estava piorando cada vez mais, enquanto isso o pastor balançava a cabeça de Zé sem parar.
- Sai! Sai! Capeta! Sai do corpo desse pobre infeliz! Em o nome do senhor Jesus! Sai! Em o nome do senhor Jesus!

A cabeça de Zé já não podia pensar, ele já não podia mais reagir, como nunca o fez, mesmo quando podia, agora Zé já não poderia mais aproveitar sua fama repentina, afinal, esta era uma ocasião especial, para um homem que sempre teve o desprezo de todos, agora era o centro das atenções daquela cerimônia religiosa. Mas não poderia mais nem sequer se mover voluntariamente.

A úlcera que cultivava em seu estômago supurou há algum tempo, sua vida havia chegado ao fim, um final grandioso para alguém que não teve o mínimo de atenção em vida. Agora era o centro de um espetáculo grotesco, era este o seu escopo, era dessa maneira grandiosa que gostaria de deixar este mundo, e parece que José da Silva finalmente conseguira atingir seu intento.

O corpo apenas cai no chão para trás, já não se move mais. Todos permanecem ali por alguns minutos, sem reação, sem saber que era exatamente dessa maneira que Zé gostaria de deixar este mundo.

¤

FIM

¤

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails
2leep.com