Crítica escrita por Francisco Carneiro da Cunha sobre o filme de Pedro Almodóvar, gentilmente cedida para ser publicada aqui no Sopa De Cérebro.
CRÍTICA
Um enfermeiro de trejeitos afeminados trata de uma bailarina de rosto angelical em coma com quem conversa todos os dias, a ponto de por ela se apaixonar perdidamente e em quem termina por fazer um filho que morre ao nascer, mas traz novamente à vida a mãe e leva o pai à cadeia onde este termina por se matar porque a sociedade diabólica não permite que sequer ele volte a falar com a amada, que também é impedida pelo mesmo mundo boçal de conhecer sua história pessoal.
Um jornalista de traços másculos com uma sensibilidade à flor da pele se apaixona por uma intempestiva toureira de modos masculinizados, que também entra em coma depois de haver sido chifrada por um touro e por isso é internada no mesmo hospital onde está o primeiro casal. Lá enfermeiro e jornalista se conhecem e após a morte do primeiro, como também da toureira com quem o jornalista de modo algum conseguira conversar, como lhe pedira o amigo, pois a tinha por definitivamente morta, o jornalista inicia um caso de amor com a bailarina que pouco a pouco voltara à vida. The end.
Quando estreou, alguns anos faz, assisti duas vezes seguidas a este belíssimo e libertador filme de Almodóvar. Agora o revi em DVD. Trata-se da obra de um gênio, portanto algo imortal. Não só o filme nada perdeu de seu encanto para mim como, ao contrário, enriqueceu-se, ficou ainda melhor e maior.
O que é que podemos falar de um gênio senão que se trata de um filho de Deus sabendo perfeitamente que o é porque enxerga claramente, dentro e fora de si, a nossos pais eternos e universais e por isso, necessariamente, dedica sua vida a cantar a seus semelhantes sua inefável beleza tendo em vista fazer do mundo algo perfeitamente habitável, coisa que evidentemente ele ainda não é, habitável a todos seus filhos do reino mineral, vegetal e animal, sendo o homem, e só ele, um bicho criador deste último, jamais animal racional como dizem os babacas.
Almodóvar nesta sua obra-prima deleita-se em inverter todos os sinais com os quais lidamos em nosso cotidiano, ou seja, o que é morte torna-se vida, o que é feminino vira masculino, o que nascera treva passa a ser luz, o que fora caos agora é cosmo e assim por diante. No final dá tudo certo, certíssimo. Saímos do filme com a absoluta certeza de que esse é o único caminho para nossa felicidade na Terra.
Há outro artista da mesma grandeza que o espanhol e que conheço bem, o dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. Ele também passou sua existência de criador invertendo os sentidos de nossas vidas corriqueiras. É de se admirar que o cineasta não tenha ainda se debruçado sobre sua criação. No dia em que o fizer será outro onze de setembro, o das torres gêmeas, só que agora estrondo ainda maior que o primeiro. Mas desta vez feito unicamente de amor.
FICHA TÉCNICA
Fale com Ela (2002) - Hable con ella
112 min - Comédia | Drama
Director: Pedro Almodóvar
Writer: Pedro Almodóvar
Stars: Rosario Flores, Javier Cámara and Darío Grandinetti
