24 de fevereiro de 2010

NO LIMIAR DA ANTROPOFAGIA - Parte 10 - Conto - Dimitri Kozma

Advertência: História forte, gráfica e perturbadora, leia por sua conta em risco.
Comece a ler pela parte 1, clicando aqui.

Parte 10

Subindo os degraus, ela se ajoelha e faz uma prece, pedindo a Deus que cuide da alma de Conceição, depois disso ela corre pela passarela e entra na porta da sacristia.

Chegando lá, vê o até o padre Onofre sentado à mesa comendo uma goiaba. Grita furiosa:

- Padre! O senhor não sabe o que aconteceu!
Ele se espanta, coloca a goiaba sobre um pratinho que descansava na mesa e pergunta:
- Dona Maria... Porque está tão nervosa? O que aconteceu?
Com sinais de falta de ar, ela toma fôlego e conta:
- Foi a Conceição, padre! Eu fui fazer uma visita a ela... Ela...
Coloca a mão sobre o peito, como se sentisse alguma pontada, o padre Onofre se preocupa:
- Por favor, dona Maria, sente-se.
Mas ela declina gentilmente o pedido:
- Não... Obrigado, padre... Mas é melhor eu ficar em pé...
Apoiando-se com a mão na mesa, dona Maria continua:
- A Conceição... Ela falou que... Que não acredita mais em Deus! Que Deus é uma mentira... Padre... Eu estou tão preocupada.
Ele se levanta indignado:
- Ora! Mais isso é uma blasfêmia! Como ela pode dizer uma coisa dessas?
- E tem mais, padre... – Dona Maria continua – Ela disse que nunca mais vai pisar numa igreja.
Decidido, o padre pega sua bengala e diz:
- Eu vou agora mesmo falar com ela! Isso não pode ficar assim!
- Pois faz muito bem, padre! Faz muito bem! Eu vou com o senhor.
Ele sai pela porta em disparada, dona Maria vai logo atrás.

Chegando ao portão, o padre, num estado quase ultrajado, bate palmas insistentemente, mas ela não responde, vira-se para dona Maria e pergunta:
- Será que ela está em casa?
É enfática:
- Mas é claro que está! Ela não quer abrir, mas vamos insistir, padre...
Batem palmas os dois, dona Maria ainda berra:
- Sabemos que está aí, Conceição! Abra a porta!
Vendo-se sem saída, finalmente Conceição abre levemente a porta e coloca a cabeça para fora. Vai xingar dona Maria quando percebe a presença do padre, muda a feição, tentando ao menos ser educada, ela diz:
- Por favor... Eu não quero conversar... Saiam daqui...
O padre fala, em tom elevado:
- Conceição, preciso falar com você... É importante...
Ainda com a porta semi-aberta, com apenas a cabeça para fora, ela é irredutível:
- Sinto muito padre... Mas o que eu penso, dona Maria sabe muito bem, e o senhor também deve saber... Deus é uma mentira, todos vocês vivem em função de uma mentira!
O padre franze a testa:
- Pare de dizer essas coisas, Conceição! Você não pode sair por aí dizendo esses sacrilégios! Por favor... Deixe-me conversar com você...
- Já disse que não! – Berra.
Dona Maria que assistia a tudo calada, finalmente fala:
- Conceição... Você vai arder prá sempre no fogo do inferno se não se arrepender do que está falando...
Conceição grita:
- Deus é uma mentira! Uma mentira!
O padre abre o portão e com a bengala em riste, esbraveja:
- Sabe o que eu acho? Que você está possuída pelo demônio! Só pode ser isso! Você está endemoniada!
Dona Maria concorda com o padre:
- Também acho!
Conceição escancara a porta, berrando até seus pulmões arderem:
- O demônio também não existe! É tudo uma mentira! Tudo! Saiam daqui! Saiam da minha casa! Quero ficar sozinha! Quero paz, só isso!
O padre segura seu braço com força:
- Você está possuída pelo cão! Só ele pode dizer tantas barbaridades! Só ele!
Dona Maria incentiva os gestos do pároco:
- Isso mesmo, padre! Só pode ser! O demônio está dentro dela! O capeta!
Movido pelos apelos de dona Maria, o padre Onofre começa a balançar o braço de Conceição com mais força.

Dona Maria começa a sentir aquela satisfação interior que sempre a permeava, sentia um formigamento na barriga, via aquela cena grotesca de uma maneira quase mágica. Neste momento pela rua passa Zuleica, acompanhada de Fátima, duas fervorosas carolas, elas interpelam dona Maria, que ainda permanece do lado de fora da casa enquanto o padre está dentro da área, sacudindo Conceição.

- Dona Maria, o que está acontecendo aqui? – Pergunta Zuleica
Dona Maria explica o caso com ênfase:
- É a Conceição... Ela não acredita em Deus e ainda por cima faltou com o respeito com o padre... Só pode se o tinhoso! O diabo possuiu o corpo dela!
- Meu Deus do céu! – grita Zuleica – Vamos fazer alguma coisa!
- Maldito capeta! – Brada Fátima, uma senhora de meia idade, muito religiosa, que trajava um lenço branco na cabeça.

Imediatamente Fátima começa a atirar pequenas pedras em direção á Conceição, aos berros de: “Sai demônio!”. Devido á pouca pontaria, acerta apenas a parede, mas atira outra que passa raspando.

Não demorou muito para que se juntassem outros fiéis, que começaram a atirar pedregulhos na pobre senhora. O padre a solta e vai de encontro ás pessoas ensandecidas. Dona Maria sente uma excitação ao ver toda aquela exibição de selvageria, inclusive ajudara a atacar algumas pedrinhas, não tinha muita força, mas fazia o possível. Mas sua satisfação real era interior, imaginava o que aconteceria se uma daquelas pedras pegassem a cabeça de Conceição, partindo-a ao meio. Seria inesquecível.

Os fiéis berram palavras de louvor a Deus e esconjuros destinados a Conceição enquanto atiram as pedras. Imediatamente ela se tranca em sua prisão particular. As pessoas continuam por alguns minutos, até que o padre resolve mudar de estratégia:

- Esperem! Vamos rezar uma novena! Vamos fazer plantão aqui na porta e vamos rezar até expulsar esse espírito malígno que vive dentro do corpo de Conceição.
Todos concordam, a aglomeração de aproximadamente quinze pessoas juntam as mãos e começam a rezar aquela novena com todo ardor possível. Despejando toda emoção e sentimento naquelas palavras monótonas que se repetiam incontáveis vezes.

Dentro de sua casa, Conceição ouvia aquela reza, o que a fazia se irritar ainda mais. A fazia lembrar de quando sua pobre filha Ivete esteve internada e das rezas que fez, tudo em vão, pois sua filha fora levada embora sem nenhuma piedade por aquele que os fiéis chamam de Deus.

A reza segue por toda a noite, ninguém arreda pé, até que finalmente um raio de sol indica que eles já passaram muito tempo ali. Lentamente aquela aglomeração se dispersa, até o padre Onofre vai embora, está exausto. Resta apenas dona Maria, que está entretida imaginando o que Conceição deve estar fazendo numa hora dessas. Imagina o gás do forno ligado e a cabeça dela lá dentro roxa, sufocada.. Imagina Conceição se contorcendo de dor ao ter seus pulmões estourados ao perceber que a morte seria a única fuga plausível, que a morte seria a única maneira de escapar da solidão.

Viajando em suas mais dementes fantasias, dona Maria esquece de imaginar que Conceição possa estar apenas dormindo calmamente em sua cama. O que, de fato, está.

Sem ter mais o que fazer ali, dona Maria vai até sua casa, precisa dormir um pouco, não tinha mais idade para varar noites em claro, pelo menos não em pé, rezando, pois geralmente passava as noites em claro angustiada, sozinha em seu leito de desespero.
Os passarinhos já cantavam quando dona Maria chegou em casa, fez suas necessidades e caiu na cama, a exaustão pelo menos dessa vez contribuiu, dormiu até meio dia.

CONTINUA...

Brinquedos Estrela - Jingle do comercial

Os mais saudosistas podem derramar uma pequena lágrima ao ouvir a música do comercial dos brinquedos Estrela e ver as imagens de brinquedos, muitos deles guardados em algum lugar empoeirado de nossa memória.

" ...A estrela é nossa companheira, nossa brincadeira, nossa diversão..."

I Know an Old Lady Who Swallowed a Fly - Animação

"I Know an Old Lady Who Swallowed a Fly" ou "Eu conheço uma velha senhora que engoliu uma mosca" é uma clássica animação de 1964. Acho que não chegou a passar no Brasil. Achei interessante.

A ultima cagada...

Related Posts with Thumbnails
2leep.com