7 de abril de 2008

PECADO ILUSÓRIO - Conto de Dimitri Kozma

O badalo da velha igreja da cidade de Passo Feliz toca anunciando o horário sagrado da missa de Domingo, como que cumprindo uma tradição, quase que uma rotina, a população em massa parte em direção à velha e corroída igrejinha da cidade, uma velha gorda esbarra no pequeno Waltinho, um garoto de dez anos, que estava sendo levado pela mão por sua avó paterna, ele ignora o esbarrão.
- Vovó. Depois posso ir brincar na rua? - diz Waltinho, com sua doce agitação infantil.
- Isso depois a gente vê, Waltinho, agora fica quieto que a gente vai rezar. - dispara sua avó, como se querendo logo encerrar a conversa.

A avó de Waltinho, dona Olívia, uma senhora nos altos de seus setenta anos, pele carcomida, em parte pela idade, em parte pelo sol, anos trabalhando na lavoura da cidade renderam-lhe apenas rugas e calos nas mãos, batalhou pelo sustendo do único filho, Walter, que se formou e fora morar na cidade grande, lá conhecera Mariluce, uma mulher dez anos mais velha que ele, e nascera Waltinho. "Mariluce nunca teve vergonha na cara." Pensava dona Olívia, e este conceito se afirmou ainda mais quando Mariluce fugiu com um mecânico e largou Waltinho com o pai, desempregado e sem esperanças.
Walter não teve escolha, fez as malas do pequeno Waltinho e o colocou em um ônibus para Passo Feliz, mandando-o morar definitivamente com a avó, até que Walter arrumasse um outro emprego. Isso já foi a mais ou menos um ano, e até agora nada, pensa dona Olívia que talvez seu filho tenha esquecido de Waltinho, e se arranjado com uma outra vagabunda por lá, mas deixa estar, pois agora cria o garoto como a um filho.

As pessoas tomam acento na pequena igreja, os bancos descorados pelo tempo, as paredes descascando e as imagens quebradas devido a má manutenção empregada.
Waltinho pode ouvir tosses secas, ecoando em cada ponto da igreja, barulhos de sapatos gastos pelo tempo, o silêncio é quase absoluto, vozes são ouvidas como sussurros, todos parecem que estão mergulhados numa espécie de torpor místico que aquelas paredes pareciam induzir. Uma atmosfera mista de medo e admiração pairava no rosto de cada um de seus fiéis, calmamente sentados.

Dona Olívia empurra o garoto até um banco com duas vagas, ao lado de um velho com o nariz escorrendo, dona Olívia o cumprimenta:
- Como vai Seu Arnaldo?
- Vai-se indo, Dona Olívia, e a senhora, como anda? - diz o velho, enquanto esfrega furiosamente o lenço amarelado no nariz.
- Estou bem, fora um pouco de dor nas costas, de resto vou bem, e sua filha?
- Norminha está bem, vai se casar em julho, a senhora está convidada. - desvia o olhar para Waltinho: - Nossa, como seu neto está grande, dona Olívia, quantos anos ele tem mesmo, sete? Oito?
- Fez dez anos mês passado, precisa ver como esse menino é inteligente, seu Arnaldo.
Waltinho observa apenas, até que seu Arnaldo bate a mão na cabeça do garoto, dizendo: - Nossa! Tudo isso? Realmente o tempo voa, não é dona Olívia, ainda ontem ele era um bebezinho, agora está quase um rapaz.
Waltinho pode sentir a mão molhada do velho em seu cabelo, um asco incontrolável tomou conta de seu ser, mas manteve-se impassível.
Uma música de órgão se inicia e o garoto pode ver o padre adentrar-se na igreja pela porta lateral, é relativamente novo, quanto? Talvez uns quarenta, no máximo quarenta e cinco anos. Solenemente ele se dirige ao altar e começa um discurso infindável.
Uma ordem surge para que todos fiquem de pé, dona Olívia empurra levemente as costas do neto para que ele também se levante, ele obedece piamente, mas seu pensamento viaja em devaneios, enquanto ouve o padre falar, na verdade não ouve nada, apenas percebe aquela fala ritmada e sem vida penetrar em seu ouvido, mas seus pensamentos estão em outro lugar, sentada no banco da frente, Waltinho observa uma linda moça, que deveria ter no máximo uns dezessete anos, observa as curvas pecaminosas escondidas por baixo daquele vestido cumprido, observa e em sua mente dá vazão ás mais torpes fantasias: Será que ela não gostaria de ceder aos caprichos de um jovem? Será que ele não conseguiria fazê-la ir as nuvens? Enquanto pensa, Waltinho tem uma ereção, e fica cada vez mais excitado a medida que fantasias mais picantes dominam seu íntimo.
Então, num rompante, lembra-se do lugar em que está, lembra-se que está pensando em algo pecaminoso, sujo, tenta dissuadir sua mente, mas tal tarefa é em vão, pois já não tem mais domínio de seu subconsciente, sabe que já sentiu algo muito prazeirozo, e que não vai mais conseguir tirar de sua mente, mas ainda se esforça, tenta voltar a realidade, desvia o olhar para sua avó, ao seu lado, e ao velho com o nariz escorrendo, que está prostrado do outro lado, e começa a fantasiar uma situação no mínimo bizarra:
Imagina sua avó, à muito viúva, de quatro no altar, e o velho por traz, numa cena realmente dantesca, e ela gemia, se contorcia, seu corpo velho, enrugado, suas pelancas balançando ao sabor do acaso, e o nariz do velho escorrendo, derramando sobre o corpo de sua avó.
Quando Waltinho se dá conta da barbaridade que está pensando, e do lugar em que se encontra, quase entra em pânico, ele não quer pensar nessas coisas, mas elas estão fluindo em sua cabeça, como? Nunca aconteceu isso antes. Nunca havia tido pensamentos tão sujos e imorais. E agora essa!

Todos se ajoelham e Waltinho se ajoelha mais rápido que os outros, tentando se penitenciar pelos seus pensamentos imorais, tenta rezar um "Pai Nosso", mas seu pensamento é novamente inebriado por sujeira barata e diabólica, imagina o padre fazendo seu discurso nu no altar, enquanto as fiéis alisam seu corpo, e Waltinho observa tudo com uma excitação tremenda, e as fiéis, todas nuas, das mais moças às mais velhas caquéticas, todas nuas admirando aquele padre atlético e bem apessoado.
Waltinho começa a suar frio, "Onde já se viu pensar tanta besteira assim?" - Pensa ele, e completa o pensamento: "E se Deus estiver vendo o que eu estou pensando? E se Deus viu tudo isso que eu imaginei? Ele vai contar para vovó, ela vai ficar sabendo do que eu pensei... Não!" - Um desespero começa a tomar conta do pequeno garoto, seus olhinhos se arregalam como se fossem saltar das órbitas, olha para sua avó, ela está impassível, acompanhando a missa, mas Waltinho já começa a olhá-la de maneira diferente, começa a olhá-la como se ela soubesse de tudo que ele havia pensado, de toda a sujeira que sua mente havia produzido em tão pouco espaço de tempo. Ele se encolhe no banco, tentando se proteger. Olha novamente, meio de rabo de olho, para o esquelético Seu Arnaldo, ele continua lá, olhando para o chão, com a coriza do nariz quase tocando a boca, o velho então suga o corrimento como se fosse um nectar, e Waltinho pode até ouvir o ruído, novamente a imagem de Seu Arnaldo sodomizando sua avó no altar se faz presente em sua mente, mesmo não querendo essa imagem não sai de sua cabeça, Waltinho dá pequenos socos na testa, tentando fazer a imagem sumir, mas cada vez ela fica mais nítida, cada vez mais clara, ele fecha os olhos e lhe vem a cabeça novamente a garota do banco da frente, dessa vez, Waltinho a imagina sendo sodomizada por ele na porta da igreja, com toda a cidade assistindo horrorizada a cena.
Ele abre os olhos, lágrimas começam a rolar pelo seu rosto, lágrimas de desespero, ele não tem mais controle algum em seus pensamentos, parece até que uma força maligna tomou conta de seu cérebro e nada mais poderia ser feito. Uma angústia incomensurável passou por todo seu pequeno e frágil corpo, gelando sua coluna, "Será que Deus sabe o que eu estou pensando?" é uma das angústias de Waltinho, no alto de sua inocência, imagina Deus, com sua enorme cabeleira e sua barba branca, observando-o de cima, imagina o olhar de reprovação de Deus, imagina Deus contando para sua avó, imagina a cidade inteira sabendo de tudo, imagina seu severo pai dando-lhe cintadas nas costas, acorrentando-o num porão escuro e gelado pelo resto de sua vida.
- Não!

Waltinho solta um grito e sai da igreja em disparada, sua avó não tem tempo de segurá-lo, todos se viram em direção ao garoto, antes mesmo de dona Olívia conseguir levantar-se para correr atras do neto, ouve um barulho de freios de carro, um estampido seco e um grito curto.
Quando finalmente chega a porta da igreja, vê a pior imagem de sua vida: Waltinho, deitado no meio-fio, metade de seu corpo embaixo do carro, suas tripas expostas o sangue quente espalhado por toda a rua. Em sua busca desesperada pela redenção, Waltinho atirara-se na frente de um veículo que passava em alta velocidade.
Dona Olívia se desespera, corre em direção ao neto, que ainda tem um sopro de vida, o garoto, vomitando sangue, e tendo inúmeros espasmos ainda tem tempo de dizer:
- Perdão... Eu pequei...
Depois disso cala-se para sempre.

¤

FIM

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Dimitri Kozma

2 comentários:

  1. horrores assim existem realmente e até piores, e ainda colocam a culpa em outra pessoa para se limparem.

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  2. Olá!

    Obrigado por seu comentário, muito pertinente, por sinal.
    O peso da culpa é milenar...

    abraços
    Dimitri

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