19 de março de 2008

O APODRECER DE UMA FLOR - Conto - Dimitri Kozma

Luzia não pode se lembrar das poucas vezes em que fora feliz na vida, para falar a verdade, talvez ela nunca tenha sido, com menos de quarenta anos, mas aparentando mais de cinqüenta, Luzia trabalhava sem descanso para sustentar os filhos.
Mulher, negra, pobre, ela já enfrentou na vida incontáveis demonstrações de preconceito. Já fora humilhada uma centena de vezes, já levou nas costas as marcas da violência.
Mulher de força interior fenomenal, aos dez anos seu pai a violentou, ela nunca recuperou-se deste trauma, mas como pobre não pode se dar ao direito de ter traumas, Luzia simplesmente tentou ignorar aquilo que aconteceu com ela.
Veio da Bahia ainda jovem, fugiu de casa, depois disso, nunca mais teve notícias de sua família, até pensou em procurar um daqueles programas populares de TV para tentar localizar sua mãe, mas resolveu desistir, já que implicaria em rever seu pai também. Depois de carregar em seu ventre quase meia dúzia de filhos, que nasciam como penca, um com cada homem que conhecera no período em que viveu na rua, Luzia conseguiu finalmente comprar uma casinha na favela, nada muito espaçoso, sala e banheiro apenas, lá teria que abrigar seus cinco filhos. A menina mais velha era Jéssica, uma vistosa moreninha de quinze anos, olhos amendoados, corpo escultural, lábios espessos, uma voluptuosidade quase que inimaginável.
A vida não era fácil para Luzia, tinha que sair de casa as quatro e meia da manhã, pegar três conduções abarrotadas, para chegar ao emprego as sete horas, não parava um minuto sequer do dia, trabalhando como um cão, chegava em casa lá pelas dez horas da noite, sem forças para andar, ela ainda tinha que preparar a comida para as crianças no dia seguinte. Nos finais de semana, lavava roupa para suas vizinhas na favela, e assim conseguia juntar mais um troco.
Jéssica tinha a incumbência de tomar conta dos irmãos mais novos, permaneciam os dias inteiros trancados naquele minúsculo cubículo, e para piorar as coisas, Luzia ainda tinha um filho deficiente mental, o pequeno Claudinei, suas perninhas eram puro osso, sofria de convulsões terríveis, as vezes varava a madrugada se debatendo entre os irmãos, que dormiam empilhados naquele lugar sujo.
Luzia recebia um salário de fome, não tinha carteira de trabalho assinada, não tinha direito a nada, apenas a ficar quieta e trabalhar como uma condenada. Jéssica não aceitava essa situação, não suportava ver a mãe ser humilhada para tentar dar de comer para ela e seus irmãos. Uma noite, quando Luzia chegava em casa, Jéssica, segurando o pequeno Edevaldo no colo, falou:
- Mãe, eu resolvi trabalhar prá te ajudar. Não dá mais prá viver assim, mãe!
- Jéssica, a gente já conversamos sobre isso, você tem que cuidar de seus irmãos. – Disse Luzia, enquanto pegava nos braços o filho mais novo, Edevaldo, bebezinho desnutrido e triste.
- Mãe, se você quer continuar vivendo aqui, nessa merda, tudo bem, mas eu não quero isso prá senhora não, mãe! Eu falei com o Toninho e ele...
Num rompante de fúria, Luzia, enquanto segura forte com uma mão no braço de Jéssica, grita:
- Andou falando com o Toninho? Não falei prá não falar com esse bandido? Não falei Jéssica? Você me desobedeceu de novo? Saiu com ele de novo?
Enquanto é chacoalhada esfuziantemente, Jéssica se justifica:
- Falei com ele uma vez só mãe, ontem, quando saí prá comprar pão.
Luzia para de balançar Jéssica, mas ainda segura em seu braço:
- Eu não quero você falando com ele, entendeu?
A menina solta-se, e diz, eufórica:
- Olha mãe, o Toninho disse que eu posso ficar rica, que eu posso arrumar a vida minha, da senhora e de todos os meus irmãos. Mãe, o Toninho falou que tudo vai mudar se eu for trabalhar no lugar aonde ele vai me mandar.
Luzia, reflete por um momento e diz:
- Não sei... Toninho é coisa ruim, minha filha, já foi preso um monte de vezes, é procurado pela polícia, tá metido com droga...
- Mãe, isso faz tempo, agora ele mudou, ele disse, me falou que tá arrependido de tudo.
Luzia nega mais uma vez, em definitivo;
- Não adianta, Jéssica! Não e pronto!
A menina olha, no fundo já tomara a decisão, queria apenas contar para sua mãe, nada que Luzia dissesse mudaria o que Jéssica pretendia fazer. Estava perdidamente apaixonada por Toninho. Nada poderia impedi-la.

¤

No dia seguinte, logo depois de Luzia sair, Jéssica arruma suas coisas numa pequena bolsa remendada, não é muita coisa, apenas uma muda de roupa, duas calcinhas de algodão e um passe de ônibus, marcara o lugar em que iria se encontrar com Toninho na véspera, antes mesmo de consultar sua mãe.
Abandonou seus pequenos irmãos, trancados na casa, a chave deixou embaixo da porta da vizinha, uma velha Mãe-de-Santo que era amiga de Luzia. Tomou a condução e partiu para o lugar marcado com Toninho, Praça da Sé, no centro de São Paulo, chegando lá, a multidão a amedrontava um pouco, depois de passear os olhos pelo lugar, encontra um rosto conhecido: Toninho.
Ele era um rapaz atlético, sua pele morena suada brilhava com o sol, usava um indefectível óculos escuros, que dava um ar mais charmoso ao rapaz, deveria ter uns vinte e cinco anos, os brincos, a barba por fazer e o cigarro barato na boca eram outras marcas de Toninho, que, com essa idade, já tinha inúmeras passagens pela polícia.
Jéssica abriu um sorriso esfuziante ao se deparar com ele, e gritou a uma certa distância:
- Toninho! Aqui!
Ele se vira em meio a multidão, tenta achar de onde viera o chamado, depois de uma pequena busca, finalmente localiza Jéssica, com um curto vestidinho deixando a mostra seu voluptuoso decote, suas coxas roliças, pensa: “Deliciosa como sempre!”
Se aproxima dela rapidamente:
- Jéssica, sabia que você ia vir! Mina! Hoje você vai saber o que é ganhar dinheiro! – Dispara um sorriso torpe.
- Minha mãe não sabe... eu tentei falar com ela, mas ela não aceitou, eu tive que fugir... – Ela desvia o olhar, sente uma timidez incontrolável quando se aproxima de Toninho.
- Melhor assim, melhor assim... – Dá uma conferida no corpo da menina, mais de perto, olha primeiro na frente, depois se inclina para verificar atrás, e diz:
- Nossa, mas você tá gostosa mesmo, heim... Olha só que corpão! Jéssica, você vai ficar rica com esse corpo!
Num misto de ingenuidade e libertinagem, Jéssica apenas sorri marotamente.
- Vamos, mina, estão te esperando. Me siga.
Eles andam um pouco e entram numa pequena porta espremida entre prédios, uma longa escada levava ao primeiro andar, chegando lá, Jéssica encontra aquilo que realmente estava esperando.
Era um bordel, aqueles de quinta categoria, havia duas mulheres semi-nuas sentadas num sofá velho, a meia luz não a deixava ver seus rostos, ao lado, um velho bêbado tomava um copo de pinga, suas roupas fediam a urina, mas ela não podia ver muito bem, sentiu Toninho a pegando pelo braço e a levando para um balcão, uma mulher gorda, horrorosa, com uma verruga peluda na ponta do nariz, deveria ter mais de sessenta anos, deu as boas vindas:
- Hum... Carne nova?

(... continua - não perca o final da história!)

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