7 de março de 2008

LACRIFILIA - Parte 2 - Conto - Dimitri Kozma

(continuação da história postada em 06/03)

¤

Ao mesmo tempo em que Olavo sentia essa excitação toda, depois de realizado seus desejos, sentia um aperto no coração, se sentia mal, tinha consciência de que aquilo que fazia não era normal, que estava, no fundo se prejudicando também. Olavo era um individualista, pensava somente nele, achava que, estando ele satisfeito, os outros ao seu redor também estariam. Por isso, nunca havia tocado nesse assunto com ninguém, achava que deveria guardar esse prazer, que ele havia descoberto a alguns anos, somente para ele, ninguém poderia compartilhar dessa infindável fonte de excitação. Ao mesmo tempo que sabia que era algo meio doentio, não queria fazer nada para mudar, estava perfeito dessa maneira.

¤

Uma noite, Olavo entra esbravejando em casa, Marta já sabe que será inevitável. Olavo pega um vaso na estante e ataca na parede, estilhaçando em milhares de pedaços, enquanto dizia:
- Sua vaca! Não agüento mais ver sua cara, não agüento mais! Porque você não vai embora? Porque você não desaparece de minha vida?
Olavo estava blefando, sabia que Marta nunca o deixaria, tinha plena consciência disso. Uma das únicas certezas na vida.
Ela permaneceu imóvel, olhando...
- Responde, sua vadia! Vai embora, não agüento mais te ver na minha frente! Porque não sai por essa porta? Porque? – Bradava Olavo, apontando para a porta aberta.
Ela, sem dizer uma só palavra, obedeceu, saiu calmamente pela porta.
Olavo, que esperava uma reação diferente, ficou indignado com a reação da namorada, esperava que ela fosse gritar, se ajoelhar chorando e se esvaindo em lágrimas, mas não, dessa vez Marta passou calmamente pela porta, sem dizer uma só palavra.
- Hei! Espere aí, volta aqui, Marta!
Ela já apertou o botão do elevador quando Olavo a puxa pelo braço para dentro do apartamento. Fecha a porta e vai dizendo:
- O que deu em você, Marta? Ficou louca? Você queria ir embora mesmo?
- Cansei, Olavo, não quero mais viver nesse inferno.
Ele senta Marta no sofá, senta-se ao lado e começa a falar:
- Marta, acho que já está na hora de contar prá você, acho que não posso mais evitar...
- Fala...
- Eu... não sei como vou te dizer isso... eu... sinto prazer quando você chora.
Ela arregala os olhos, Olavo continua:
- É! Eu sei que você deve achar que eu sou louco, mas... eu sinto um prazer tão grande quando você começa a chorar, eu não consigo me controlar, entende? Quando eu vejo uma pessoa chorando... meu corpo começa a ficar excitado, tem horas que não dá pra agüentar...
Ela não consegue tecer nenhum comentário, apenas observa, espantada, enquanto ele fala:
- Não sei se sou anormal... mas é isso que está acontecendo, Marta, eu queria te dizer antes, mas... não tive coragem, não conseguia... agora você já sabe de tudo...
Ela apenas olha por alguns momentos, e finalmente diz:
- Você é doente! Você é louco!
Olavo começa a derramar algumas lágrimas, olhando fixamente para Marta, ela continua:
- Eu vou embora, nunca mais quero ver sua cara, está ouvindo? Nunca mais!
Levanta-se, vai até o quarto, coloca algumas roupas na mala, Olavo a segue, tentando argumentar:
- Marta, eu juro que vou me tratar, fica comigo! Por favor Marta! Fica comigo!
Nesse momento as lágrimas vertem impiedosamente do rosto de Olavo, Marta mantém sua feição fechada, contraída de ódio.
- Nunca mais! Não vou querer te ver nunca mais!
Fecha a mala e vai andando em direção a porta. Olavo tenta convencê-la de todas as maneiras:
- Eu vou te tratar como uma rainha! Vou fazer tudo que quiser, tudo, eu juro! Por favor, Marta! Eu te amo! Por favor, fica comigo! Me ajuda! Me ajuda!
Ela continua impassível. Parece que nada a afeta. Vira-se para Olavo e se finalmente toma coragem para dizer:
- Eu tenho outro!
Parece que uma faca perfurou seu coração, o impacto da notícia o deixa meio grogue, ele cambaleia e diz:
- Outro? Você tem outro?
- É isso mesmo que você ouviu, Olavo! Eu tenho outro! É ele é um cara que cuida de mim, que me trata como eu gostaria de ser tratada, não preciso mais de você.
- M-mas, como foi isso? – Olavo diz, visivelmente transtornado.
- Faz uma semana, eu o conheci quando fui ao mercado, passamos uma tarde inesquecível. Ele me chamou prá ir morar com ele. E eu aceitei.
Olavo esfrega os olhos veementemente, como se achasse que aquilo era um sonho:
- Marta! Eu...
As palavras fogem de sua cabeça, não consegue mais ver nada em sua frente, avança impiedosamente em direção a Marta. Suas mãos cravam-se em seu pescoço, começa a sufocá-la, ela tosse sem parar, sua língua começa a enrolar e os olhos esbugalhados viram-se para trás. Não demora muito e o frágil corpo de Marta jaz sem vida. Olavo a observa, num misto de missão cumprida e arrependimento. O que fará com o corpo? Pensa ele. A idéia vem rapidamente: Arrasta o cadáver de Marta até a janela e a joga do décimo primeiro andar. O corpo cai, batendo em algumas janelas e finalmente beijando o chão.

¤

Caindo de cara, não sobrou muita coisa para os legistas avaliarem, foi constatado suicídio, Olavo alegou que Marta estava sofrendo de depressão, e quando chegou em casa, presenciou sua namorada saltando para a morte. Nenhuma testemunha, nada. Um crime perfeito.

¤

Finalmente, no dia do velório de Marta, todos seus familiares presentes, Olavo estava lá, vestindo um largo terno preto que havia pedido emprestado, o caixão estava fechado, não era uma imagem muito bonita de se ver, a cara de Marta tinha virado uma pasta disforme, seu corpo se esfacelou, a maioria de seus ossos tinham se partido, com fraturas expostas por todo o corpo.
Os parentes mais distantes estavam lá, Marta era uma moça muito querida entre todos, sua eterna candidez fascinava a todos, muitos estavam lá para prestar a última homenagem a ela.
Olavo via tudo um pouco afastado, encostado numa parede, chorava pouco, tinha o nariz vermelho, com uma coriza insistente que tinha que limpar a toda hora com um lenço amarelado.
Ali, Olavo pode ver a mãe de Marta, se derretendo em lágrimas perante ao caixão fechado da filha, ouviu um coro de choramingos, e novamente sentiu a força de viver.
A medida em que os familiares e amigos choravam, Olavo ficava cada vez mais excitado, começou a ficar impaciente, não conseguia permanecer muito tempo ali parado.
Chegou perto do caixão, onde a mãe de Marta chorava ardentemente, gritava como uma desesperada. Uma pequena multidão estava aglomerada, todos chorando em coro. Olavo então começou a se esfregar na velha mulher, que ardia em febre, fingia se esbarrar e cada vez mais se esfregava, não agüentava mais de excitação, não conseguia conter o fogo que ardia em sua alma. Abraçou a velha mãe sofrida e fingiu pesar, enquanto esfregava-se veementemente.
Finalmente, Olavo ejacula por dentro da roupa, finalmente estavam satisfeitos seus desejos. Permaneceu assim, ali, parado, ainda apreciando o festival de prantos que desfilava por sua frente.

Desde aquele dia, Olavo nunca mais arranjou ninguém, achara uma solução mais fácil e mais excitante. Desde aquele dia, Olavo percorre os velórios da cidade, sempre trajando seu folgado terno preto, em busca de almas angustiadas, em busca de choros de tristeza, para satisfazer seus desejos.

¤

FIM

Dimitri Kozma

Um comentário:

Related Posts with Thumbnails
2leep.com