15 de julho de 2008

CATARSE - Parte Final - Conto de Dimitri Kozma

(conclusão da história postada em 11/07)


De tarde, após o almoço, Milton ainda sente na boca o gosto amargo da traição, vocifera palavras incompreensíveis sem cessar, liga para a secretária:
- Odete, chama o Paulo pra mim.
- Senhor Milton, o Senhor Paulo saiu antes do almoço e não voltou mais. – Diz a secretária.
- Mas... Ele não disse prá onde ia?
- Não senhor, só disse que não voltava mais hoje.
Milton bate o telefone sem ao menos agradecer, sua cabeça começa a divagar em idéias que são no mínimo plausíveis em função dos acontecimentos.

“Paulo, aquele verme desprezível, então é ele, só pode ser ele, Magda sempre o admirou, sempre achou seu físico belíssimo... Por isso ele tanto a defendeu quando eu falei que ela havia saído... E só ele tem o telefone de casa... Claro! Agora tudo se encaixa perfeitamente!” – Pensa Milton, enquanto sai de seu escritório, mergulhado em uma cólera que o privava dos sentidos, cambaleava como um bêbado, como se tivesse levado um golpe do destino, como se estivesse com uma estaca cravada em seu peito, como se seu espírito estivesse fora de seu corpo e ele estivesse andando como uma marionete. Seus braços balançavam soltos, ao favor do vento que batia em seu rosto, andava pelas ruas, esbarrando nos transeuntes sem ao menos se importar.

Depois de alguns minutos andando sem destino, cai no chão, já não pode suportar tamanha dor em seu peito, tem vontade de dar cabo a própria vida, os rostos de Paulo e Magda já não saem mais de sua cabeça... Pensamentos fluem desconexos: “Então era por isso que Paulo nunca namorou ninguém por muito tempo? Era Magda que ele... queria, Magda, tão fria em suas emoções, tão... Ela sempre desejou Paulo, sempre...” - Agora que sua mente estava tão atribulada, tão envolta em elucubrações, Milton já não pensava com a razão, apenas com sua mais primitiva emoção, e não vem outra idéia em sua mente senão matar os dois, quer chegar ao seu apartamento e matar os dois, da maneira mais dolorosa possível.

Volta ao estacionamento e pega seu carro, dirigindo automaticamente, ele nem nota que já está próximo a seu prédio, estaciona em frente a uma garagem, não se importando com o sinal de proibido estacionar, e desce correndo, subindo os cinco lances de escada rapidamente.

Abre a porta num rompante, e vê sua esposa assistindo televisão languidamente:
- Onde ele está Magda? Diz! Onde ele está? – Grita num acesso de fúria.
Magda pula do sofá assustada:
- Ele quem? Do que você está falando?
- Seu amante, onde ele está?
- Amante? Que história é essa?
Ele vai se aproximando, cada vez mais furioso:
- Me diga, sua prostituta! Não tente me enganar! Onde está? Diga!
- Cala a boca! Você está bêbado, Milton! – Magda diz, se afastando.
- Não bebi um gole hoje! Eu sei quem ele é! Eu ouvi a ligação que ele fez a você hoje de manhã! Eu ouvi vocês marcarem um encontro! – Seus olhos se esbugalham, sua fisionomia está transtornada.
- Aquela ligação? Era do seu amigo Paulo e...
Antes que possa concluir, Milton mete um soco na cara de Magda, ela vai ao chão, o sangue escorre de seu nariz.
- Eu sabia, sua prostituta! Sua vaca miserável! Eu já sabia de tudo!
- Milton... Eu...

Novamente, antes que pudesse concluir, Ainda no chão, Magda leva um chute que atinge sua boca, o barulho de dentes quebrando pode ser ouvido claramente, uma mancha de sangue escorre pela parede branca e limpa recentemente. Ela começa a chorar desesperada, olhando seus dentes espalhados pelo chão, a boca inchada recebe mais um chute, e Magda cai deitada, Milton esbraveja:
- Eu sempre te amei! Mais do que a mim mesmo, sempre te amei demais, Magda! E você... em retribuição, me trai, me trai com meu melhor amigo, sua vagabunda!

Milton ajoelha-se e rasga as roupas da esposa, deixando a mostra seus seios, ela já está inconsciente, não tem mais nenhuma reação. Mais do que depressa, Milton corre até a cozinha, agarra uma faca e volta a sala, então a crava no peito da esposa, rasgando o intestino e chegando até seu útero. Já está quase que ensandecido, quando vê um minúsculo movimento partindo de seu ventre aberto, quase que uma pulsação. Enfia a mão entre as tripas e o útero e de lá tira um feto, ainda tendo espasmos, deveria Ter uns três ou quatro meses, não mais que isso, este talvez tenha sido o fruto da última noite de amor que tivera com Magda ou talvez seja fruto de um outro homem, Milton nunca saberá, ele pode sentir a vida do bebê se esvaindo em suas mãos... Como se sua alma fosse embora junto.

Milton fica ali, sem nenhum movimento, apenas com os olhos fechados, diante de tamanho horror, apenas fica ali parado, ajoelhado perante o cadáver de Magda e do feto.

¤

Horas depois a campainha toca, Milton se desespera, e se forem os pais de Magda? Levanta-se e vai ver no olho mágico, vê que é Paulo, novamente sua alma se inunda de ódio e rancor, coloca um tapete por cima do cadáver, e empurra a mesinha para frente do tapete, tentando disfarçar o volume. Coloca a faca pendurada no cinto e abre a porta. Paulo diz esfuziante:
- Milton, o que você está fazendo aqui? Estava preocupado com você, a Odete falou que você tinha saído sem falar nada... – Paulo fita seu rosto, e estende o olhar ao fundo da sala, volta novamente para o rosto de Milton, apático, pálido e frio, então diz: - Milton, está tudo bem?
Milton olha e não responde, apenas faz um gesto com a cabeça, dizendo para Paulo entrar. Ele entra, meio receoso, Milton então tranca a porta e coloca a chave no bolso, vira-se para Paulo e apenas aponta o volume ao fundo da sala. O amigo olha e pergunta:
- Mas o que é isso, Milton?
- Vá até lá e veja... – Friamente responde.

Paulo caminha até o fundo da sala do apartamento, puxa a mesinha que bloqueava a passagem e descobre o cadáver de Magda. Já preparado, com a faca em punho, Milton acreditava que Paulo fosse gritar como um louco vendo o grande amor de sua vida ali naquela cena repulsiva, sua reação, no entanto, é inesperada, vira-se para Milton, na mais profunda serenidade e diz:
- Então teve que ser assim... Não queria, mas não teve outro jeito... Teve que acontecer...
Milton se espanta, e só consegue soltar um trêmulo “P-porque?”, quase sem voz.
- Bom, Milton, acho que já chegou a hora de eu abrir o jogo prá você: Magda nunca o traiu, ela simplesmente tinha problemas, acho que o pai abusou dela quando era pequena, ou algo assim, bem, o que importa é que ela tinha aversão ao sexo, não sei porque ela se abria para mim, tinha vergonha de te contar, queria que eu arrumasse um médico bom, alguém que tratasse esse problema dela... Ela me via como um irmão mais velho seu, quase que um protetor, então foi por isso que eu acho que ela confiava em mim... – Ele continuava a falar, enquanto Milton não abria a boca, apenas escutava, sem entender muita coisa.

Paulo continuava:
- A coisa piorou quando Magda me veio com a notícia de que estava grávida, dizia que queria muito ter esse filho, e achava que com ele a situação entre vocês melhoraria, bem, ela achava isso... Achei que não seria uma boa idéia ter essa criança na situação em que vocês se encontravam, e sugeri a Magda fazer um aborto. Ela aceitou, eu então iria marcar uma hora num médico clandestino que eu conheço, o Doutor Teixeira, que tem uma clínica escondida entre prédios, no centro da cidade, sabe? Até que é um lugar limpo, mas não são muitas as mulheres que conseguem escapar com vida de lá... Bem, alertei Magda dos riscos, e ela estava receosa... Queria Ter esse bebê, mas eu a fiz mudar de idéia...

Paulo acende um cigarro, cobre novamente o corpo de Magda e continua:
- Bom, hoje de manhã eu havia ligado para ela confirmando a consulta, o bebê ainda era pequeno, a barriga ainda não podia ser notada, era uma boa hora, ela aceitou, por isso eu vim aqui, para levá-la a clínica... Parece que você já fez o trabalho antes, não?
Milton ainda em pé, com a faca pendendo em seu braço, balbucia algo incompreensível, sua respiração quase cessa, seus olhos estão cada vez mais arregalados, tremulo e pálido, a cabeça um pouco abaixada, seus ombros caídos, continua inerte. Paulo continua:
- O que eu tinha combinado com o doutor Teixeira era que Magda não sairia da clínica viva, infelizmente seu útero seria furado e ela morreria de hemorragia interna... Um triste fim... Bem, ela iria sumir e você nunca iria ficar sabendo, pensaria que ela teria fugido com o amante...
Paulo descobre novamente Magda:
- E agora, poupados todo esse trabalho...
Milton reúne as últimas forças para fazer a pergunta:
- M-mas... porque tudo isso?

Paulo apaga o cigarro no peito do cadáver de Magda, levanta-se e se aproxima de Milton.
- Simples meu amigo... Porque eu te amo, Milton, sempre te amei, desde quando éramos crianças eu sempre te amei como ninguém, ninguém te merece mais do que eu, Milton, ninguém.

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Paulo crava um veemente beijo na boca de Milton, que reage com surpresa, empurrando o amigo, que cai no chão próximo ao cadáver d e Magda.

- O quê? O que você está dizendo? – Pergunta ele, meio fora de si enquanto começa a perder o controle, erguendo a faca em direção a Paulo, que se protege com os braços e não diz uma só palavra.
- Diga! O que você está dizendo? – Brada Milton, balançando a faca convulsivamente. Paulo observa a faca enquanto Milton continua a gritar: - Diga maldito! Diga que é mentira! Fala!
Paulo nada diz, apenas observa.

Milton por um instante observa o cadáver, seus olhos passeiam por toda a sala, até chegar em Paulo, que respira com dificuldade e apenas observa com olhar vítreo.

Uma série de lembranças percorrem a mente de Milton neste momento. Memórias dos momentos em que passara com sua esposa, e dos momentos em que passara com Paulo.
Seu corpo treme ininterruptamente, quando larga a faca e cai no chão, finalmente em prantos.
Paulo observando aquela cena, se aproxima lentamente do amigo, abraçando-o.
Milton corresponde ao abraço, lentamente os dois se entreolham, fitando-se com admiração e paixão.

Finalmente Milton sede ás pressões, segura com as duas mãos o rosto de Paulo e crava-lhe um enorme, demorado e apaixonado beijo.
Aos poucos os abraços começam a se tornar carícias, e eles começam a tirar as roupas, deitando-se no chão ao lado do cadáver de Magda, enquanto se beijam arrebatados pelo fogo que os consome.

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Amanhece e Milton está olhando pela janela. A roupa inteiramente suja de sangue, seu cabelo é uma pasta avermelhada e seu rosto está tinto com o rubro sangue ressecado.

Observa o por do sol, enquanto fuma um cigarro filado do maço de Paulo.
Atrás dele, nota-se claramente o cadáver de Magda, já apresentando rigor pós mortis, a pele esbranquiçada, os olhos fundos e sem vida.

É possível ver algumas moscas voando pelo tórax aberto e pousando nas entranhas apodrecidas.
Ao seu lado, jaz Paulo, totalmente banhado em sangue, nota-se seu pescoço cortado e a faca cravada em seu peito, a mesma faca que havia matado Magda.
Milton apenas observa o pôr do sol.

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FIM

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