Rafael Prada
De Vancouver (Canadá)
Aos mais interessados no noticiário internacional, não é grande novidade. Aos desavisados, mais se parece com um roteiro de filme B de terror, daqueles em que se perde, literalmente, duas horas da vida. Mas a verdade é que têm aparecido pés (calçados!) demais para uma mesma região aqui em Vancouver, no Canadá.
Desde agosto do ano passado já foram descobertos cinco pés, - sim, somente os pés - todos usando tênis ou sapato, no Estreito de Georgia, perto da entrada do oceano Pacífico da Ilha de Vancouver e também onde desemboca o Rio Fraser.
Mesmo com toda a balbúrdia e burburinho criado em torno do caso, poucos detalhes foram revelados pela polícia. De concreto, a certeza de que são quatro pés direito e um esquerdo. Ainda não se sabe se algum deles faz par com o solitário canhoto, mas certamente a discussão tem ido além dessa provável e macabra coincidência.
Vancouver é conhecida por se tratar de uma cidade segura. Em todo o ano de 2007 foram registrados 21 homícidios, número considerado alto pelas autoridades canadenses, mas aceitáveis para os nosso padrões brasileiros. Por outro lado, até o mês de agosto do ano passado, mais de duas mil pessoas foram dadas como desaparecidas por mais de trinta dias, o que aumenta ainda mais o mistério dos pés.
Teorias, nenhuma confirmada pela polícia, não faltam. Se fala em alunos da Universidade de British Columbia pregando uma peça e até mesmo em pedaços de corpos de um acidente aéreo acontecido em 2005. Nada, até o momento, foi comprovado. Nem mesmo testes de DNA têm sido significativos.
Na última semana, para piorar o caso que já mexe com a cabeça dos moradores da cidade, algum espertinho colocou uma pata de galinha envolvida em uma meia dentro de um tênis e o abandonou na costa da Ilha de Vancouver. O ato, além de alarmar autoridades e mídia locais, também frustrou familiares de parentes desaparecidos. Seria o sexto pé encontrado.
"Esse tipo de brincadeira é repreensível e totalmente desrespeitosa com as famílias de pessoas desaparecidas. Alimenta de forma inapropriada especulações e cria uma ansiedade nos familiares e na comunidade, além de desperdiçar tempo precioso de investigação e gerar um gasto que poderia ser usado em investigações relevantes", afirmou o Serviço de Medicina Logística de British Columbia, em carta aberta.
De acordo com a delegada e assessora da Real Polícia Montada do Canadá, Annie Linteau, houve alívio por não se tratar de mais uma pé humano, mas ela considerou o ato "macabro e desnecessário".
"Nós não iremos tolerar pessoas criando brincadeiras apenas para dar boas risadas e atrair toda a atenção. Trata-se, com certeza, de uma brincadeira doentia. O fato de que alguém se deu ao trabalho de recriar algo tão próximo de um resto de corpo humando é muito perturbador", afirmou a oficial a dezenas de jornalistas.
Enquanto não é confirmada nenhuma relação do DNA dos pés humanos com o de residentes locais desaparecidos, pesquisadores acham improvável que os restos tenham chegado boiando do oceano Pacífico.
"É extremamente improvável que eles estejam vindo do outro lado (do oceano)", explica o professor Kurt Grimm, que ministra aulas de Ciências da Terra e do Oceano na Universidade de B.C., ao jornal The Vancouver Sun .
O mistério, que já dura dez meses, está longe de ser resolvido, mas já promete se tornar uma daquelas lendas urbanas contadas em reuniões em volta da fogueira. Com sorte - eu diria azar -, pode até mesmo virar roteiro para aqueles chatíssimos filmes B de terror que teimam em ser reprisados na Sessão da Tarde.
Rafael Prada é jornalista formado pela Universidade Metodista de SP, já acompanhou a Seleção Brasileira de perto e cobriu tragédias e festas que marcaram São Paulo. Atualmente mora em Vancouver, onde estuda (mais!).
