11 de janeiro de 2010

NO LIMIAR DA ANTROPOFAGIA - Parte 5 - Conto - Dimitri Kozma

Advertência: História forte, gráfica e perturbadora, leia por sua conta em risco.
Leia a parte 4, aqui.

Parte 5

Ao chegar na praça, avista sua amiga, dona Cida, que levava uma melancia debaixo do braço, parecia fazer muito esforço e com a outra mão apoiava as costas que pendiam. Ela coloca a melancia encostada em seus pés, comprimenta a comadre e já vai reclamando:

- Dona Maria, como vai? Eu tô com uma dor horrível nas costas e o cachorro do Germano me pediu prá comprar melancia prá ele, a senhora acredita? Tô que não posso nem andar direito.
Dona Maria, ainda excitada com o fato, ignora o que dona Cida lhe falou e não consegue esconder o segredo, apenas modifica um pouco a história:
- Dona Cida! A senhora não imagina o que eu acabei de ouvir!
- Conta dona Maria, O que? – Pergunta curiosa.
Fingindo que alguém acabara de contar a ela, dona Maria explica:
- Sabe a Laurinha, filha do seu Bernardo? Eu ouvi dizer que ela estava fazendo safadeza com aquele rapaz novo na cidade, aquele que tá trabalhando na fazenda “Sete Esporas”! Lá no bairro da Cantareira, perto do matagal.
Dona Cida espanta-se:
- Não acredito! Uma moça tão boazinha!
- Pois é, dona Cida! Esse mundo tá virado mesmo! Eu sabia que o seu Bernardo devia segurar mais essa menina, agora tá aí, perdida. Coitada. Isso não vai terminar bem.

Empurrando os óculos que teimam em escorregar pelo nariz seboso, dona Cida fala:
- Dizem as más línguas que aquele rapaz já fez mal prá filha do Quinzinho também. A senhora não percebeu que o Quinzinho mandou ela estudar na capital?
Dona Maria fica chocada:
- Mas então, foi por isso?
- Mas é claro. A menina ficou embuchada e o pai teve que mandar ela embora, a senhora vai ver quando ela voltar com um bacurizinho no colo... Mas a senhora não imagina como ela apanhou a coitada. Chegou a ficar até internada por uns dias. O seu Luíz, que tava na estação de ônibus no dia que ela foi embora, disse que ela tava toda roxa, cheia de esparadrapos... O Quinzinho é bravo, a senhora sabe...
Os olhos de dona Maria se iluminam, imediatamente ela diz:
- Pois bem... Isso é coisa mandada! Dona Cida, vou andando porque tenho que falar com uma pessoa...
Recolhendo a enorme melancia, dona Cida diz:
- Tá certo, dona Maria, eu também tenho que ir embora, tá ficando tarde e eu tenho que levar essa melancia pro Germano, pelo menos com o bucho cheio ele não tem tempo de beber. – Solta uma risada forçada, se despede de sua comadre e parte, carregando aquele enorme peso.

Uma idéia repentina percorre a mente fértil de dona Maria. Naquela tarde, já quase anoitecendo, ela chega a barbearia de seu Bernardo, que está calmamente cortando os cabelos de um senhor.
- Boa tarde, seu Bernardo, tem muito trabalho hoje?
Ainda aparando os gordurosos cabelos do velho, Bernardo, um viúvo austero de barba espessa e nariz levemente torto, diz:
- Boa tarde, dona Maria. Não tenho muito trabalho não, só tô terminando de cortar o cabelo do seu Júlio. Vai querer cortar o cabelo hoje?
Prostrando-se em frente a Bernardo, ela diz:
- Não, não é isso... É que eu preciso falar urgente com o senhor... Será que o senhor tem um tempo livre?
Espanta-se, nunca dona Maria havia conversado mais do que o trivial com ele, apenas passava lá uma vez por mês para aparar os cabelos, e agora precisava falar urgente. Prontamente ele concorda.
- Claro, só vou terminar aqui e já vou fechar a barbearia, já é quase seis horas... Depois a gente conversa. Sente-se, dona Maria, fique á vontade.

Ela toma acento num banco pouco confortável que havia ali para os clientes esperarem sua vez, enquanto aguarda repara nas revistas que estão empilhadas na mesinha do centro, são revistas de atualidades, ela pega uma e começa a folhear.
Assusta-se quando depara-se com uma fotografia de uma moça de biquini provocante em um anúncio de sorvetes, berra:
- Seu Bernardo! Você deve selecionar mais as revistas que coloca para seus clientes, é uma pouca vergonha.
Ele olha sem entender muito e pergunta:
- O que, dona Maria?
Ela mostra a foto, balançando a revista com um ódio brutal, berra:
- Olha aqui, seu Bernardo, olha aqui! Isso é falta de respeito com os seus clientes!
Bernardo se espanta:
- Mas... Dona Maria, isso é um anúncio na revista, como eu vou saber?
- Você deve olhar página por página e arrancar as que possam ser ofensivas as pessoas, seu Bernardo! Arranque e jogue-as fora!
Gritava, enquanto folheava a revista com violência, rasgando as páginas que eram consideradas impróprias. Continuava a dizer:
- É por isso que sua filha é assim, por causa desse lixo que você guarda aqui!
Bernardo para por um instante de cortar o cabelo e diz, assustado:
- Minha filha?
Dona Maria recoloca a revista no lugar e pega outra, continuando a rasgar as páginas impróprias:
- Sim! Sua filha! Mas eu vou esperar o senhor terminar de cortar o cabelo dele para que eu possa te contar...
Imediatamente ele apara a franja do velho, que fica meio torta, terminando o trabalho. Quando o cliente vai abrir a carteira para pegar o dinheiro, Bernardo diz, enquanto o empurra delicadamente para fora da barbearia: “Não precisa pagar agora, seu Júlio, depois o senhor me paga.”. Quando o velho sai, ele tranca a porta do estabelecimento, que também era sua casa, e vai direto perguntar a dona Maria:
- Pois bem, agora me conte, dona Maria, do que a senhora sabe?
Ela, ainda sentada, pergunta baixo:
- Onde está sua filha, seu Bernardo?
Espanta-se com a questão:
- No colégio, onde mais poderia estar?
Prendendo o rosto para evitar sorrir, dona Maria conta:
- Pois bem, seu Bernardo... Ela não está no colégio... Eu a vi... na Cantareira, num terreno baldio...
- Terreno baldio? Mas...
- Sim, seu Bernardo, eu a vi... Com aquele rapaz novo na cidade, não sei o nome dele, aquele que tá trabalhando na fazenda “Sete Esporas”. Eles estavam...
Bernardo arregala os olhos, esperando a conclusão que não vem:
- O senhor sabe o que eles estavam fazendo, seu Bernardo...
Meio atordoado com a notícia, ele se senta no banco ao lado esfrega a testa e permanece ali, atônito. Dona Maria continua, num tom lamurioso:
- Seu Bernardo, ela estava lá, sem nenhum pudor, se entregando à aquele rapaz, parecia uma meretriz, nunca vi, em toda minha vida, tanta pouca vergonha. Só quero alertar ao senhor, porque do jeito que ela está indo, a laurinha vai ficar falada na cidade logo, logo.
Ele permanece ali, imóvel, as palavras parecem que não entram mais em seu ouvido, mesmo assim, dona Maria levanta-se e continua a falar:
- Eu gosto da Laurinha como a uma filha, o senhor sabe... Para o bem dela... Esse povo é muito intrometido, gosta de se meter na vida dos outros.
As lágrimas começaram a verter levemente pelo rosto de Bernardo, ele levanta-se e pede delicadamente:
- Dona Maria, obrigado por contar... Mas.. Não estou me sentindo bem...
Ela retruca:
- Entendo... Vou me retirar...
Ela a leva até a porta, na despedida dona Maria diz:
- Sinto muito que tenha sido eu a dar essa notícia, seu Bernardo, mas eu prezo muito aquela menina... O senhor entende, né?
Esfregando os olhos, ele diz:
- Claro, claro... Obrigado por me contar...
Já virando-se para ir embora, ela fala:
- Não foi nada. Boa noite.

Afasta-se lentamente, com o sentimento de missão cumprida. Está semeada. Agora basta dona Maria esperar germinar as sementes da discórdia para que possa alimentar-se da desavença que criou.

CONTINUA...

2 comentários:

  1. Olá!

    Sim, pretendo publicar um capítulo por semana. :-)

    A saga de Dona Maria continua...

    abs

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