5 de agosto de 2008

ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO – Crítica de Dimitri Kozma

Primeiramente, antes de qualquer coisa, quero dizer que sou um dos maiores fãs do trabalho de José Mojica Marins. Aprecio quase todos os seus filmes, principalmente, claro, os dos anos 60 e começo dos 70. Depois disso, sua carreira se estagnou e Mojica virou um arremedo dele mesmo, se fundindo com o personagem e tornando-se uma caricatura cômica, fato que se consolidou ao ser apresentado a nova geração pelo extinto Cine-Trash. Ou seja, divido a carreira do personagem Zé do Caixão em duas fases, a séria e a circo.

Sempre o admirei, por meu apreço ao cinema de terror que Mojica produziu em sua fase dourada e com a esperança de vê-lo de volta ao seu lugar de destaque no gênero e sendo levado a sério.

Esta semana finalmente assisti ao esperado desfecho da trilogia que aguardava quase 40 anos para ser finalizada e foi como levar uma paulada na moleira.
Voltei do cinema, uma pré-estréia de sábado em seção iniciada a meia-noite, em estado um tanto catatônico, e com a opinião um pouco dividida. Ainda estou digerindo o que vi, mas vou tentar descrever.

O filme tem seus altos e baixos, sem dúvida é obrigatório, um passeio de trem-fantasma, uma deliciosa experiência, mesmo em seus momentos baixos, o filme acaba com aquela sensação de “quero mais”, acho que isso já vale, não?

O roteiro, escrito por Dennison Ramalho, sobre o original de José Mojica é intrigante. O que mais me chamou a atenção é a forma como é respeitoso com os 2 filmes anteriores, ou seja, segue fielmente a mitologia do personagem Zé do Caixão, com flash backs, cenas recriadas, personagens citados, etc. Quem assistiu aos outros 2 filmes, vai aproveitar muito mais a experiência. O personagem é sempre respeitado, e a violência parece que não é contida em nenhum momento.

Tem suas falhas? Sim... Ele abusa fartamente de alguns clichês em alguns momentos, e isso me incomodou um pouco, mas desde os filmes originais, sempre houve uma certa antropofagia de elementos, ou seja, eles são devorados e recriados, então isso não prejudica a experiência. O clichê máximo do fiel assistente corcunda Bruno, por exemplo, já existia no segundo filme.

Também achei que o filme poderia ser mais ousado, parece um tanto contido em alguns momentos, poderia trabalhar com um pouco mais com a crítica social, que está presente, mas em menor escala, crítica que Mojica já fez, por exemplo, no clássico “O Despertar da Besta” de 1969. Por exemplo, porque não mostrar o período de Zé do Caixão na cadeia, com filas de candidatas a mulheres perfeitas o visitando, numa analogia ao Maníaco do Parque, Francisco de Assis Pereira, que depois de matar e devorar dezenas de mulheres recebeu inúmeras visitas na cadeia de damas querendo casar com o serial killer. As possibilidades eram inúmeras, mas o filme aposta no bom e velho arroz com feijão. Mas mesmo assim é delicioso, muito bem temperado! Nada tirou meu prazer de assistir a este filme tão aguardado.

Outro fato interessante são as homenagens que o filme presta, pude reconhecer diversos rostos e nomes que estiveram de alguma forma presentes na carreira ou na vida de Mojica, como o seu fiel ajudante e segurança dos anos 70, Satã, por exemplo.

Visualmente não há o que falar, ele é impecável, a fotografia e direção de arte estão irrepreensíveis. Padrão internacional, o que prova que nossos profissionais, quando tem verba, nada devem aos lá de fora.

Talvez o maior problema do filme do Mojica tenha a ver com o fato de o próprio Mojica ter mudado muito durante estes anos, sua superexposição na mídia como o simpático velhinho que joga pragas acabou desgastando um pouco a imagem aquele sádico dos anos 60 e hoje não mete tanto medo assim. Como Paulo Sacramento fez a produção e Ramalho fez a assistência de direção, imagino que deva ter sido bastante difícil convencer o Mojica de alguma coisa, já participei de um curta com ele e sei como é difícil lidar com o dito cujo.

Outra coisa que me incomodou foi a atuação de Milhem Cortaz, que faz um padre masoquista e psicopata. Exagerado ao extremo, provavelmente tenha sido esta a intenção, mas para mim não funcionou muito bem, virou um alívio cômico ao filme. Pude ouvir risadas em várias falas dele. A atuação dele, que é um bom ator, ficou forçada e caricata.

A morte de Jesse Valadão durante as filmagens não comprometeu o filme, criaram um “irmão-clone” para substituí-lo. Com certeza perdeu um pouco, mas nada grave. Para quem sabe do ocorrido, vai perceber alguns furos e “soluções mágicas”. Poderiam ser um pouco melhor trabalhadas as cenas dele e a relação com o irmão recém criado, com pelo menos um diálogo entre ele e o irmão, que poderia ter sido facilmente editado a partir de uma cena já filmada, na cena da delegacia, por exemplo. De qualquer forma, a solução que fizeram funcionou na medida do possível.

O ponto alto do filme, o gore, violência sádica e sem restrições, está ali, em todas as cores e luzes, e está ótima! Com efeitos especiais de primeira, as cenas de tortura ficaram muito boas, tirando um ou outro corte antes da hora, o filme não tem medo de mostrar nem chocar. Ponto positivo.

O tão falado purgatório com José Celso Martinez Corrêa ficou bem interessante, principalmente a forma que Zé do Caixão foi até lá, numa cena onírica e plasticamente bonita. Não gostei muito do CGI do céu, me pareceu um pouco falso, mas acho que cumpriu seu papel. A atuação de Zé Celso deixou um pouco a desejar, com aqueles trejeitos característicos da afetação do diretor de teatro, mas para um personagem sobrenatural até que funcionou bem, também imagino o inferno que deve ter sido dirigir o fulano, avesso a hierarquia.

Outro ponto positivo, os fantasmas do passado. Nos anos 60, Mojica nos mostrou o inferno em cores em um filme preto e branco. Em Encarnação do Demônio é ao contrário, os fantasmas aparecem em preto e branco, e estão geralmente acompanhados de um flash back dos filmes antigos. Muito bem feito e original. Tenho muito mais para falar, mas não quero estragar a experiência de ninguém ao entrar na sala escura para assistir a esta pérola, então, ficarei por aqui.

Gostei do final, achei bem resolvido e concluiu a trilogia de forma digna. Ainda irei assistir a este filme muitas vezes, e provavelmente terei outras leituras. Mesmo com seus problemas, o filme é um marco no cinema nacional e abre portas a este gênero tão marginalizado.
Mojica e equipe, parabéns! Vocês escreveram com sangue uma maravilhosa página na história do cinema! Que venha mais!

Nota Final:

Dimitri Kozma

3 comentários:

  1. Posso dizer que achei o filme muito bem feito, não há como negar. Mas faltou um ingrediente fundamental, pelo menos para mim, a um bom filme de terror: a capacidade de causar medo.

    Não tem jeito, eu olho pra cara do Mojica "hoje" e só enxergo o velhinho que fala "pobrema" e tem unhas compridas. Foram anos vendo apenas o lado cômico dele, quando ele ia no programa "Viva a Noite", do Gugu, pra cortar as unhas em rede nacional... E isso mata qualquer traço de medo que eu poderia sentir do personagem Zé do Caixão.

    Respeito o Mojica como diretor e gosto bastante do filmes antigos. Mas preferia ter apenas assistido aos filmes e não tê-lo visto com a capa preta e cartola tantas vezes na TV, no programa da Luciana Gimenes, por exemplo...

    Sei lá, é como ver o Hannibal Lecter dançando o creu no programa do Faustão. Quem iria ter medo do personagem depois???

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  2. Exatamente! Infelizmente concordo com sua opinião.
    Mojica tem hoje simplesmente a imagem do velhinho simpático que fala errado e participa do programa do Ratinho...
    :(
    Superexposição quase sempre é ruim...

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  3. Dimas!
    Seu Mala, voce acabou escrevendo sobre seu ídolo de infancia.
    Cara voce não vai acreditar, mais eu estava escrevendo um texto sobre o canjica, ops MOJICA falando exatamente sobre tirar o personagem/ator/ do Underground e Levá-lo ao Mainstream. mas é logico que meus textos não tem a eloquencia dos seus...

    Abraços e Aguarde mais polemicas

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