Primeiramente, antes de qualquer coisa, quero dizer que sou um dos maiores fãs do trabalho de José Mojica Marins. Aprecio quase todos os seus filmes, principalmente, claro, os dos anos 60 e começo dos 70. Depois disso, sua carreira se estagnou e Mojica virou um arremedo dele mesmo, se fundindo com o personagem e tornando-se uma caricatura cômica, fato que se consolidou ao ser apresentado a nova geração pelo extinto Cine-Trash. Ou seja, divido a carreira do personagem Zé do Caixão em duas fases, a séria e a circo.
Sempre o admirei, por meu apreço ao cinema de terror que Mojica produziu em sua fase dourada e com a esperança de vê-lo de volta ao seu lugar de destaque no gênero e sendo levado a sério.
Esta semana finalmente assisti ao esperado desfecho da trilogia que aguardava quase 40 anos para ser finalizada e foi como levar uma paulada na moleira.
Voltei do cinema, uma pré-estréia de sábado em seção iniciada a meia-noite, em estado um tanto catatônico, e com a opinião um pouco dividida. Ainda estou digerindo o que vi, mas vou tentar descrever.
O filme tem seus altos e baixos, sem dúvida é obrigatório, um passeio de trem-fantasma, uma deliciosa experiência, mesmo em seus momentos baixos, o filme acaba com aquela sensação de “quero mais”, acho que isso já vale, não?
O roteiro, escrito por Dennison Ramalho, sobre o original de José Mojica é intrigante. O que mais me chamou a atenção é a forma como é respeitoso com os 2 filmes anteriores, ou seja, segue fielmente a mitologia do personagem Zé do Caixão, com flash backs, cenas recriadas, personagens citados, etc. Quem assistiu aos outros 2 filmes, vai aproveitar muito mais a experiência. O personagem é sempre respeitado, e a violência parece que não é contida em nenhum momento.
Tem suas falhas? Sim... Ele abusa fartamente de alguns clichês em alguns momentos, e isso me incomodou um pouco, mas desde os filmes originais, sempre houve uma certa antropofagia de elementos, ou seja, eles são devorados e recriados, então isso não prejudica a experiência. O clichê máximo do fiel assistente corcunda Bruno, por exemplo, já existia no segundo filme.
Também achei que o filme poderia ser mais ousado, parece um tanto contido em alguns momentos, poderia trabalhar com um pouco mais com a crítica social, que está presente, mas em menor escala, crítica que Mojica já fez, por exemplo, no clássico “O Despertar da Besta” de 1969. Por exemplo, porque não mostrar o período de Zé do Caixão na cadeia, com filas de candidatas a mulheres perfeitas o visitando, numa analogia ao Maníaco do Parque, Francisco de Assis Pereira, que depois de matar e devorar dezenas de mulheres recebeu inúmeras visitas na cadeia de damas querendo casar com o serial killer. As possibilidades eram inúmeras, mas o filme aposta no bom e velho arroz com feijão. Mas mesmo assim é delicioso, muito bem temperado! Nada tirou meu prazer de assistir a este filme tão aguardado.
Outro fato interessante são as homenagens que o filme presta, pude reconhecer diversos rostos e nomes que estiveram de alguma forma presentes na carreira ou na vida de Mojica, como o seu fiel ajudante e segurança dos anos 70, Satã, por exemplo.
Visualmente não há o que falar, ele é impecável, a fotografia e direção de arte estão irrepreensíveis. Padrão internacional, o que prova que nossos profissionais, quando tem verba, nada devem aos lá de fora.
Talvez o maior problema do filme do Mojica tenha a ver com o fato de o próprio Mojica ter mudado muito durante estes anos, sua superexposição na mídia como o simpático velhinho que joga pragas acabou desgastando um pouco a imagem aquele sádico dos anos 60 e hoje não mete tanto medo assim. Como Paulo Sacramento fez a produção e Ramalho fez a assistência de direção, imagino que deva ter sido bastante difícil convencer o Mojica de alguma coisa, já participei de um curta com ele e sei como é difícil lidar com o dito cujo.
Outra coisa que me incomodou foi a atuação de Milhem Cortaz, que faz um padre masoquista e psicopata. Exagerado ao extremo, provavelmente tenha sido esta a intenção, mas para mim não funcionou muito bem, virou um alívio cômico ao filme. Pude ouvir risadas em várias falas dele. A atuação dele, que é um bom ator, ficou forçada e caricata.
A morte de Jesse Valadão durante as filmagens não comprometeu o filme, criaram um “irmão-clone” para substituí-lo. Com certeza perdeu um pouco, mas nada grave. Para quem sabe do ocorrido, vai perceber alguns furos e “soluções mágicas”. Poderiam ser um pouco melhor trabalhadas as cenas dele e a relação com o irmão recém criado, com pelo menos um diálogo entre ele e o irmão, que poderia ter sido facilmente editado a partir de uma cena já filmada, na cena da delegacia, por exemplo. De qualquer forma, a solução que fizeram funcionou na medida do possível.
O ponto alto do filme, o gore, violência sádica e sem restrições, está ali, em todas as cores e luzes, e está ótima! Com efeitos especiais de primeira, as cenas de tortura ficaram muito boas, tirando um ou outro corte antes da hora, o filme não tem medo de mostrar nem chocar. Ponto positivo.
O tão falado purgatório com José Celso Martinez Corrêa ficou bem interessante, principalmente a forma que Zé do Caixão foi até lá, numa cena onírica e plasticamente bonita. Não gostei muito do CGI do céu, me pareceu um pouco falso, mas acho que cumpriu seu papel. A atuação de Zé Celso deixou um pouco a desejar, com aqueles trejeitos característicos da afetação do diretor de teatro, mas para um personagem sobrenatural até que funcionou bem, também imagino o inferno que deve ter sido dirigir o fulano, avesso a hierarquia.
Outro ponto positivo, os fantasmas do passado. Nos anos 60, Mojica nos mostrou o inferno em cores em um filme preto e branco. Em Encarnação do Demônio é ao contrário, os fantasmas aparecem em preto e branco, e estão geralmente acompanhados de um flash back dos filmes antigos. Muito bem feito e original. Tenho muito mais para falar, mas não quero estragar a experiência de ninguém ao entrar na sala escura para assistir a esta pérola, então, ficarei por aqui.
Gostei do final, achei bem resolvido e concluiu a trilogia de forma digna. Ainda irei assistir a este filme muitas vezes, e provavelmente terei outras leituras. Mesmo com seus problemas, o filme é um marco no cinema nacional e abre portas a este gênero tão marginalizado.
Mojica e equipe, parabéns! Vocês escreveram com sangue uma maravilhosa página na história do cinema! Que venha mais!
Nota Final:
5 de agosto de 2008
ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO – Crítica de Dimitri Kozma
Seções: Artigos, Cinema, Críticas de Filmes, crônicas, Dimitri Kozma, horror, Notícias, textos, variedades
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Posso dizer que achei o filme muito bem feito, não há como negar. Mas faltou um ingrediente fundamental, pelo menos para mim, a um bom filme de terror: a capacidade de causar medo.
ResponderExcluirNão tem jeito, eu olho pra cara do Mojica "hoje" e só enxergo o velhinho que fala "pobrema" e tem unhas compridas. Foram anos vendo apenas o lado cômico dele, quando ele ia no programa "Viva a Noite", do Gugu, pra cortar as unhas em rede nacional... E isso mata qualquer traço de medo que eu poderia sentir do personagem Zé do Caixão.
Respeito o Mojica como diretor e gosto bastante do filmes antigos. Mas preferia ter apenas assistido aos filmes e não tê-lo visto com a capa preta e cartola tantas vezes na TV, no programa da Luciana Gimenes, por exemplo...
Sei lá, é como ver o Hannibal Lecter dançando o creu no programa do Faustão. Quem iria ter medo do personagem depois???
Exatamente! Infelizmente concordo com sua opinião.
ResponderExcluirMojica tem hoje simplesmente a imagem do velhinho simpático que fala errado e participa do programa do Ratinho...
:(
Superexposição quase sempre é ruim...
Dimas!
ResponderExcluirSeu Mala, voce acabou escrevendo sobre seu ídolo de infancia.
Cara voce não vai acreditar, mais eu estava escrevendo um texto sobre o canjica, ops MOJICA falando exatamente sobre tirar o personagem/ator/ do Underground e Levá-lo ao Mainstream. mas é logico que meus textos não tem a eloquencia dos seus...
Abraços e Aguarde mais polemicas