24 de abril de 2008

O PREÇO DA DÚVIDA - Parte Final - Conto de Dimitri Kozma

(continuação da história postada em 22/04)

No dia seguinte, nem ao menos fala com sua família e já vai á praia. É relativamente perto de casa, uns dois quilômetros aproximadamente. Queria ver as garotas, espairecer um pouco tentando esquecer daquela noite de terror. Prefere ficar sentado na areia ao entrar no mar, nunca aprendera a nadar, apesar das fortes insistências da família para que aprendesse. Quando senta-se naquela areia fofa, escaldante, percebe que as mulheres nunca o interessaram tanto. Realmente elas poderiam não fazer tanta diferença assim em sua vida. Já teve dezenas de namoradas mas nunca as levou a sério. Para ele, as mulheres serviam apenas como um objeto sexual, algo que pudesse sugar e jogar fora. As conversas que tinha com as mulheres eram desagradáveis, desinteressantes. Diferente daquelas conversas com os amigos que varavam até o amanhecer.

Percebe que dois rapazes de sunga passam correndo em sua frente, seus olhos passeiam pelos músculos em movimento, uma comparação inevitável. Ele analisa os volumes que os membros flácidos exercem naquele pequeno pedaço de pano. Compara com o seu. Observa o rosto dos dois rapazes e se imagina sendo sodomizado por eles. Suas divagações são interrompidas por um terror abrupto. “Será que sempre pensei assim?”, Desvia o olhar para a areia, tentando esconder-se de si mesmo.

As peças pareciam se ligar, com num quebra-cabeças. Os fatos interligados pareciam fazer realmente um sentido. Baltazar não se sentia assim, mas agora já não tinha tanta certeza. Agora parecia que uma dúvida insana apavorava sua existência. Ele não queria que fosse assim. Mas está percebendo que tudo parece se encaixar e fazer sentido.

Um fio de suor começa a escorrer por sua face. Sem saber qual rumo dará a sua vida, Baltazar simplesmente deita-se na areia e permanece por toda manhã. O corpo parece não obedecer mais a mente, parece que exerce uma estranha força que o compele a fazer aquilo que não quer.
Suas crenças de anos parecem que foram-se por água abaixo. Toda uma vida construída sobre um forte alicerce parecia que iria se ruir. Mas não era essa sua vontade. Tinha vontade de possuir mulheres, sempre teve. Mas agora parece que Osmar ativou alguma engrenagem oculta em sua mente. Parecia que a cortina foi aberta e finalmente foi revelado quem seria Baltazar.

¤

Naquela tarde, quando seus dois irmãos chegavam do trabalho Baltazar estava sentado no sofá assistindo televisão. Os dois cumprimentam o irmão e jogam as camisas para longe. Baltazar sente um arrepio quando vê aqueles corpos peludos e suados em sua frente. Tenta se conter e volta o olhar para a televisão. Terror é o sentimento que perpetua em sua atribulada mente. Mas não consegue parar de imaginar aqueles dois homenzarrões sobre ele. Não sabe o porquê disso, mas essa imagem não lhe sai da cabeça.

Aos poucos começa a ficar claro, um leve sopro de memória é o estopim para fazê-lo se recordar. Dez anos de idade, Baltazar fazia calmamente sua lição debruçado sobre a cama. Seus pais haviam saído, na casa estavam apenas os três irmãos. Chovia muito naquela tarde e as luzes estavam apagadas. Um voz lhe chama atenção: “Baltazar... Tira a calça...”. Ao se virar, percebe que seus dois irmãos mais velhos estão ali. Com os membros em riste apontados para ele. As luzes apagadas não deixavam-no perceber, mas podia sentir toda a violência e o frenesi daquele momento. Currado por seus dois irmãos. O sangue escorria por suas pernas enquanto os dois, refastelados, dormiam. Baltazar chorava, num misto de gozo e ódio.

Estava claro agora. Claríssimo. Como ele poderia ter esquecido desse fato? Em sua memória, sua infância carregava poucas recordações. Não havia nenhum fato marcante que o abalasse suficientemente para se lembrar e agora parecia que ressurgia a angústia adormecida em seu ser. O passado vem a tona de uma maneira inusitada. Baltazar estava começando a se lembrar disso de uma maneira fraternal, carinhosa. Aquele momento traumatizante parecia aflorar agora como um momento doce.

Nunca ninguém tocou no assunto. Parece que foi um pacto entre a família. Ninguém mais tocaria no assunto e morreria aí. Infelizmente a memória tem suas traições e não foi possível se lembrar disso até o presente momento. Baltazar parecia morrer aos poucos. Sua vida ficava mais conturbada do que já era com a falta de dinheiro.

A televisão parecia não fazer barulho. Apenas ouvia a voz de sua alma. Olhava fixamente para a tela daquele televisor repleto de chuviscos e divagava cada vez mais longe.
Lembra-se então de quando seu pai o levara para sua primeira vez. Deveria ter uns treze anos quando chegou naquele prostíbulo de quinta categoria na zona portuária. O lugar fedia urina e perfume barato. Ao entrar naquela sala repleta de prostitutas desdentadas pediu ao pai:
- Por favor... Não quero, pai. Vamos embora daqui.
O velho respondeu:
- Filho meu tem que provar que é macho. Você pode escolher qualquer uma mulher daqui, Baltazar! Qualquer uma!
Ele olhou para aqueles corpos disformes, muitos deles lotados de escoriações e tentou mais uma vez:
- Mas pai... Não quero...
Sente um forte apertão no braço:
- É fresco, é? Pois então eu vou escolher!
Uma mulher pavorosa foi a designada a tirar a virgindade daquele garoto. Entram num quarto fétido iluminado por uma tênue iluminação vermelha e ela começa a se despir. Baltazar permanece imóvel. Ela então deita-se na cama, abre as pernas e diz:
- Vem! Não precisa ter medo! Pode vir...
Baltazar tomou forças e começou a se desnudar. Colocou-se então sobre aquela mulher e então percebeu que seu membro não estava ereto. Mas queria que estivesse, sentia vontade de furar aquela mulher que estava debaixo dele. Depois de algumas tentativas em vão, a prostituta desiste e faz um acordo:
- Escuta, garoto. Fala pro seu pai que conseguiu, eu também vou te ajudar, vou falar que você foi ótimo.
Trato feito, nunca mais precisou dar satisfações ao seu pai.

Mas esta não foi a única vez. Anos depois conseguiu arrumar algumas namoradas. Sempre violento, ao introduzir o membro latejante naquelas moças, Baltazar as imaginava furando-as, imaginava seu membro como uma arma, uma faca, e imaginava aquilo como uma violência contra elas. Depois do ato, ajoelhava no chão e pedia perdão a Deus. Chorava como uma criança ao se lamentar.

A dor da verdade parecia corroer seu ser. Parecia que acabaria com sua vida se não tomasse alguma atitude. Agora estava percebendo. Agora ficava claro em sua mente o que sentia. A dúvida parecia que estava cada vez mais distante e apenas uma certeza Baltazar nutria: Ele era um homossexual.

¤

De noite, toca a campainha da casa de Osmar.
- Balta! Você aqui? Entre.
- Preciso falar com você. – Disse Baltazar, num tom seco.
- Claro! Entre! Entre!
Ao entrarem, Osmar senta-se e diz:
- Sabia que viria, Balta!
Ele permanece de pé, seu olhar é lânguido:
- Eu... Eu percebi... Você tinha razão...
- Sabia que mudaria de idéia. Sabia que perceberia. É difícil mas você se acostuma.
Osmar se levanta e dá um abraço forte em Baltazar. Este corresponde, fecha os olhos e o aperta com toda a ternura que lhe foi destinada. Um arrepio percorre todo seu corpo. As lágrimas vertem por sua face e ele nada diz, apenas o abraça.

Minutos depois, estão entrelaçados na cama. Finalmente Baltazar havia se entregue as suas verdadeiras vontades. Finalmente havia percebido que aquele era seu destino. Depois do gozo máximo, Osmar se entrega ao sono que chega e Baltazar permanece ali, sentado na cama.
Levanta-se lentamente e caminha em direção á sala. Escreve algo num pedaço de papel, voltando e colocando-o sobre a cabeceira da cama de Osmar. Dá-lhe um delicado beijo na testa e se vai.

¤

No dia seguinte o telefone toca, Osmar acorda assustado, quando vê que Baltazar não está mais ali. Atende ao telefone, um pouco sonado quando uma voz masculina fala:
- Por favor, o Osmar está?
- É ele... – Responde esfregando os olhos.
- Osmar... Aqui é Belmiro, irmão do Baltazar, ele me falou ontem que tinha que falar com você... Osmar... Ele sumiu, não sabemos onde ele pode estar, você o viu?
Quando tomava fôlego para responder algo, Osmar olha sobre a mesinha e encontra o papel, pega e começa a ler: “Osmar, você abriu meus olhos para quem eu verdadeiramente sou. Obrigado. Mas não posso mais viver carregando essa cruz sobre minha cabeça. Quando você estiver lendo este bilhete, não estarei mais aqui. Fui até o mar, ele me levou embora. Fui embora numa onda. Me desculpe. Te amo. – Ass.: Balta”

O telefone escorrega da mão de Osmar, que permanece inerte observando aquele pedaço de papel.

¤

FIM
Dimitri Kozma

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