31 de março de 2008

PASSIONAL - Parte Final - Conto de Dimitri Kozma

(continuação da história postada em 27/03)

É chegada a hora do programa, Altair chegou meia hora mais cedo na estação de televisão, olhou tudo aquilo com um deslumbramento inenarrável, havia dito apenas para seu pai assistí-lo, antes de sair, tomou o cuidado de colocar seu velho bem na frente da televisão, ajeitá-lo confortavelmente na cadeira de rodas e ligar no Canal Atual.
Um produtor, cabelos compridos amarrados e cavanhaque, encosta nos ombros de Altair:
- Você... Quem é você?
Ele vira-se, meio timidamente:
- Meu nome é Altair, vocês me mandaram um telegrama...
O jovem produtor se lembra:
- Ah! Sim! Sim! Você quer namorar uma moça, não é? Deixe-me ver... – Olha uma ficha: “Jéssica, é isso, não?”
- É.
- Ok, Você vai entrar ao vivo às nove horas, tá bom? Ela já chegou, está num outro estúdio. – Demonstrando preocupação com o estado de Altair, o produtor pergunta:
- Nervoso?
Olhando para baixo timidamente, Altair balança a cabeça afirmativamente, o produtor tenta acalmá-lo:
- Isso é normal, mas não se preocupa que isso passa, quando você entrar no ar vai ficar mais calmo, agora espera um pouco nessa sala que daqui a pouco você vai participar, aceita alguma coisa, um copo d’água?
- Não, obrigado.
O produtor sai, Altair senta-se num sofá pouco confortável, olhava tudo com os olhos de uma criança maravilhada com um brinquedo novo, percebeu que aquele poderia ser seu grande momento, enquanto esperava lembrou que não tinha avisado Belmiro, liga para ele em um orelhão colocado dentro do estúdio, e diz:
- Belmiro, sabe onde estou? No programa “O Amor na TV”, liga a televisão e me assiste, você vai gostar, é ao vivo!
Absorto, Belmiro diz:
- Altair! Não acredito, não acredito que você teve coragem! Desiste, cara, você vai passar vergonha!
Meio nervosamente, Altair apenas diz:
- Fica frio, só liguei prá falar prá você assistir, tá certo? Um abraço...
Desliga. Aguarda mais alguns minutos antes do programa entrar no ar.

¤

Uma música começa, o apresentador Milton Cardoso entra alegremente, um homem de meia idade, poucos cabelos, nariz proeminente, terno impecável. Não era muito conhecido, já fizera anteriormente apenas programas em horários ingratos, mas agora era sua chance de apresentar um programa em horário nobre, estava substituindo o conhecidíssimo apresentador Everardo Ribeiro que se encontrava afastado da televisão em virtude de complicações com a justiça. Milton Cardoso faz alguns gracejos para a platéia irrequieta e anuncia as atrações do dia, depois chama os comerciais.
Altair ouve tudo da sala de espera, quando o mesmo produtor chega e o chama:
- Vem cá, Altair, você já vai entrar.
Ele o acompanha por um imenso corredor. “Parece até um labirinto.” pensa Altair em seus devaneios, finalmente chega num lugar e percebe que está bem atrás do palco. O produtor diz:
- Espera o Milton Cardoso te chamar e você entra, ok? Fica calmo e só responde o que ele te perguntar.
Altair balança a cabeça afirmativamente e aguarda. O programa recomeça e Milton Cardoso faz mais alguma macaquices para a platéia nervosa e finalmente diz:
- Agora com vocês uma história séria, pode entrar Altair!
Um frio percorre a espinha de Altair, mas ele respira fundo e vai, quando entra, é recebido com palmas tímidas.
Em casa, o velho pai inválido diz em tom calmo: “Altair! Olha você na televisão...”
Cumprimenta o apresentador e senta-se ao lado dele, que começa:
- Altair... Você está aqui porque você quer namorar uma pessoa, né?
- Sim...
Mantendo o tom, o apresentador continua:
- E quem é essa pessoa?
Por um momento titubeia, mas então diz:
- Seu Milton... Eu queria dizer uma coisa...
- Pode dizer, Altair.
- Seu Milton, eu... - Arrepende-se, apenas responde: “É Jéssica...”
Milton se espanta:
- Nós estamos aqui com sua carta, você diz que quer namorar essa moça, que é apaixonado por ela, até nos mandou poemas que escreveu pra ela...
Mantendo a tensão nervosa, Altair fala:
- Sim...
- Você está muito tímido, Altair, fica mais calmo que eu vou chamar a moça no palco, tá legal?
Olha para o chão e diz:
- Tá!
Milton Cardoso levanta-se e chama:
- Jéssica, pode entrar!
Ela surge, com um vestido curto, a platéia delira assobiando indecorosamente sem parar, ela não pode ver Altair sentado no canto esquerdo do palco, apenas vê o apresentador se aproximando, cumprimentando-a e perguntando:
- Como vai, Jéssica?
Timidamente responde:
- Bem...
- Jéssica, tem um rapaz que mandou uma carta para o nosso programa, esse rapaz tá apaixonado por você. Você tem idéia de quem seja?
Ela olha para cima, pensando por uns segundos e diz:
- Idéia não. Não imagino...
- Mas você gostaria que fosse alguém?
Pensa novamente e responde sem pestanejar:
- Sim!
- Estarei sendo indiscreto se te perguntar quem?
Com um largo sorriso no rosto, Jéssica responde:
- Eu queria que fosse um amigo meu, o Belmiro!
Em sua casa, Belmiro toma um choque ao ouvir aquilo, esbugalha os olhos assustado.
Altair, que já não conseguia se conter ao lado, recebe a notícia como uma bomba, seu queixo cai. Seu rosto se transfigura e sente o peso em suas costas arqueadas, cerra os punhos. Em questão de segundos levanta-se e parte para cima de Jéssica, tira um revolver da calça, enquanto diz aos berros:
- Vaca! Vadia! Me traiu! Eu já queria acabar com sua vida! Eu queria acabar com sua vida aqui nesse programa, ao vivo! E agora você me trai também com meu amigo! Vaca! Vagabunda! Você merece! Merece!
Enquanto fala, dispara quatro tiros na cabeça de Jéssica, que não tem tempo de escapar, enquanto o corpo no chão se debate em espasmos, Milton Cardoso tenta segurar a mão de Altair, mas é atingido com um tiro no peito, desmorona na mesma hora.
Todos no estúdio estão imóveis, não tem reação nenhuma, foram pegos de surpresa, e apenas continuam a transmitir as imagens, ao vivo, enquanto Altair pisoteia o cadáver de Jéssica com uma fúria contida a anos, os miolos se espalham por todo o estúdio, e finalmente, depois de certificar-se de que ela estava realmente morta, Altair vira-se para a única câmera que estava ligada naquele lugar, aproxima-se quase ao ponto de encostá-la e diz, enquanto coloca a arma na têmpora:
- Pai! Essa é prá você!
Apenas um tiro, a cabeça de Altair explode e o sangue começa a escorrer pela lente da câmera lentamente, a imagem transmitida se escurece e sai do ar, na mesma hora surge na televisão o logotipo do programa: “O Amor na TV”.
Em casa, o pai de Altair diz tranqüilamente:
- Filho, você viu o que o homem na televisão fez?

¤

FIM

(c) Dimitri Kozma

2 comentários:

  1. Estou Pasmo. Não acreditei no final dessa estória que acabei de ler. O.o

    Nunca imaginava que o final poderia ser assim. Meus parebéns, você escreve muito bem.

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  2. Obrigado! :)
    Em breve, novas histórias serão publicadas aqui.
    abraços!

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